Três vezes Hugo

„Alles, was ich tat, musste literarisch bedeutsam sein und dem Werk nutzen, 
jede Bewegung musste „Signifikanz“ haben. 
Ich lebte zeitweise in einer Wahnwelt der bedeutungsvollen Zeichen.“
Johnattan Franzen falou numa entrevista que ele chegou a surtar na Alemanha com uma overdose de significados. Tudo o que ele fazia deveria ter uma importânncia literária, cada movimento deveria ter um significado, isto levou-o a viver num mundo doido e saturado de tantos significados.
Palavras que cairam como uma luva pra mim. Chega de pirar e querer o sublime das palavras. Falemos de algo banal, coco por exemplo.
HUGO 1
 
O guri me enchia o saco por que queria ir sozinho pra escola. Por mim iria desde a primeira série. Afinal vivemos num país seguro, não? Lógico que sempre há algum perigo mas eu, finalmente separada do pai dele e vivendo minha liberdade em paz, não queria arriscar qualquer vacilo pro cara vir me tentar tirar a custódia do garoto de novo. Como tentou quando eu quis a separação. Não posso dar mole pra mané. Além do mais mané austríaco que se tu bobeia, ele pisa. Então eu ficava enrolando. O moleque pedia, eu enrolava.

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A vinda, a vida e os limões sem peneiras

Em memória a Marcelão, grande amigo que deixou muitas saudades

Nós éramos um grupo de brasileiros chegados e se achegando em meados dos anos 80. O endereço, sempre o mesmo. O edifício era de um figurão da UNO que, por algum motivo inexplicável, só alugava para brasileiros. O emprego, também sempre o mesmo. Conseguimos monopolizar a cozinha de um restaurante mexicano muito badalado na época. Significa que: só trabalha aqui quem, além de ser brasileiro, for legal, bacana e passar no nosso casting. O proprietário do restaurante era uma bicha que apelidamos de a „Propriaotária“. Só aparecia no final da noite para receber o lucro.

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A formiga e a mulher em questão

Tudo começa com uma forma inofensiva, uma forma formiga. Aparece do nada, aparece tipo formiga.

– Ai, os óculos sumiram!

Formiga ainda inofensiva, pequena, inocente. Ela – a mulher em questão, sem pretensão – sai andando pela casa, procurando. Passa pelo banheiro e vê o cesto enorme de roupas sujas, procura no quarto e descobre poeira debaixo da cama.

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O duelo das desterradas

Na penteadeira

Eu a via através do espelho de aumento. Olhos esbugalhados, órbitas em evidência. Ela passava rímel e cada cílio disparava uma frase. “Antes de botar pra dormir, tem que escovar os dentes, colocar o pijama…”.
Cheiro de alho saindo pela boca, “…Mas antes pergunta se não quer comer nada”. Quando eu cheguei ela ainda engolia às pressas um prato de macarrão. Falava sem parar. Andava pela casa, catava lenços largados, sapatos pelos cantos, casacos pendurados. A casa, uma bagunça só. Com certeza é a cara dela esta desordem.
Será que não vai passar nem um perfuminho pra disfarçar esse fedor de alho?

Esta pelo menos acertou chegar sem eu ter que rebocar da esquina. Porque muitas não conseguem nem achar o prédio. Acham que o número 26 de um lado da rua tem que estar bem na frentinha do 27 e desistem depois de verem que o 26 tá de cara com o 34… Mas esta não, nível bom, nível bom. Formada ainda por cima. Deve ter se apavorado com o meu jeito e o meu bafo de alho. Foda-se. Tô pagando e caro por hora pra ficar mais da metade do tempo vendo tv ou dormindo. Ainda bem que dei bastante coisa pra ela fazer. Dar banho nos “pintos“, fazer mingau, mixto quente, nescau, botar pijama, escovar os dentes, ler estorinhas, botar pra dormir. Cê pensa que é mole, fofa? Filho é ralação. Esta então que veio “trazida”não sabe ainda o que é ralar no velho mundo. Ainda não mergulhou na água gelada da realidade alpina. Já chega com um teto sobre a cabeça e o aquecedor ligado…

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