Casamento do meu irmão, hoje. É impressionante perceber, hoje, como a vida se encaixa. A nossa vida que nasceu desencaixada. Hoje, comemoramos o casamento que, para alguns, é, no mínimo, um desencaixe. Para nós, filhos do desencaixe, é um dos acontecimentos mais encaixados do mundo. O desencaixe aconteceu com a morte do nosso pai. Uma vida toda planejada no encaixe – até que a morte súbita dele provocou o desencaixe de seus filhos e mulher. Crescemos no desencaixe e fomos felizes nele. Países, objetivos, pessoas, sonhos, tudo desencaixado. A beleza do desencaixe, a agonia dos desencaixados, deliciosos riscos, fomos vivendo. Vivendo sem saber que buscávamos nosso encaixe, só nosso. Sem receitas prontas. E, hoje, olhando a vida do meu irmão, o trajeto feito até aqui, agora, os desencaixes vividos, gozados e sofridos, tudo faz sentido. Como se, agora, os desencaixes, que pareciam enigmas, se esclarecem como céu azul varrendo nuvens. Uma congruência tão óbvia de tempo e espaço que é impossível explicar a lógica do acaso. Do acaso Viena, do acaso hoje, e não ontem, do acaso desse cabelo ruivo longo, e não qualquer outro, do acaso constelação familiar, essa, e não outra qualquer chorando lágrimas polpudas, descendo em corpo robusto, encaixando suas mãos rechonchudas nas mãos do meu irmão. A outra mão ele tem enrolada na do cara de longo cabelo ruivo, esse ruivo, e não qualquer outro. Totalmente alheios ao desencaixe ao redor, eles, subversivamente, se entregam ao encaixe. Deles, só deles. Merecidamente deles.
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Feia de doer
K. é feia. Feia de doer. O nariz muito avantajado dominando o espaço, a boca encaramujada para dentro da face, os olhos se desviando um do outro… Nada é Caetano, linda mais que demais. Mas tem um porém que muda todo o destino:
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nuvens barrocas
ela chegou toda animada querendo tomar conta do pedaço. já tinha visitado a cidade algumas vezes antes. tinha sentido o cheiro das ruas, o ritmo dos andares, a dimensão do espaço entre cada indivíduo e sua intenção. veio com tudo em cima. viena, a cidade encravada no coração da europa e Continue reading
Sobre este assunto cafona chamado amor_parte I
Ele tinha esse jeito de sorrir que a deixava feliz por saber ser um sorriso dado só em ocasiões especiais. Quando ela lhe entregou, pela primeira vez,
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Sobre este assunto cafona chamado amor_parte II
Ela tem a mania grudenta de comer alho cru de manhã. Além de gostar, faz bem pra saúde, ela acredita. Fica com um hálito insuportável pelo resto do dia, ele aguenta. Eles
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Um abraço de mãos
Eu mal acabei de conhecê-la. Aliás, eu não a conhecia. Tratamos pelo telefone, e ela me disse que tinha que ser no apartamento dela.
„Não dá tempo, enquanto eu te atendo, vou botando um arroz pra cozinhar“, e depois sairia correndo pra buscar as crianças. Tudo bem, me desloquei pra lá.
Eu mal acabei de falar alô. Como reagir a confidências não desejadas? A intimidades não requeridas? No caminho, pensava no que ela já tinha me contado, nos poucos minutos de conversa telefônica, que nada tinha a ver com o serviço proposto. O tipo da pessoa que consegue afogar o tempo, inflando-o de palavras e sentenças numa velocidade e intensidade descontroladas. Quantas histórias cabem num relato? Quantas certezas cabem numa opinião? Quanta intimidade e confissão cabem numa simples apresentação?
Eu mal acabei de sentar, e ela carinhosamente envolveu minhas mãos nas suas, abrangendo-as para além dos meus pulsos. Um abraço de mãos. Me encarou bem perto do seu hálito, o tato entre epidermes e dedos era quase uma osmose. O chão dos seus olhos encheu como piscina de clube, desengonçada e desastrosa. „Se eu chorar, não ligue, é que eu sou muito emotiva e tenho passado por sérios problemas, eu vou te contar tudo.“
Boca sem corpo produzindo roteiro de telenovela. „Aí eu virei pra ele e falei assim…“ Água morna para amolecer, „você não acha que eu tô certa?“. Uma espátula pra empurrar, „imagina se fosse com você, o que você faria?“. Polimentos para acertar, „comigo é assim, você sabe do que eu estou falando, né?“. Carnes para arrancar, „fiz mesmo e faria de novo, qual mulher aguentaria isso?“. Cores para embelezar, „você acredita que alguém pode ser cara de pau neste nível?“. Última camada pra finalizar, „você é sempre tão calada assim ou sou eu que falo demais?“.
Eu mal acabei de conhecê-la. Aliás, eu não a conhecia. Aliás, eu só vim aqui para fazer as unhas…