Sobre este assunto cafona chamado amor_parte II

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rosas_TNEla tem a mania grudenta de comer alho cru de manhã. Além de gostar, faz bem pra saúde, ela acredita. Fica com um hálito insuportável pelo resto do dia, ele aguenta. Eles

precisam resolver alguma coisa sobre a reforma do banheiro. O operário chega daqui a pouco, onde enfiar a pia? Catálogos de torneiras folheados democraticamente juntos. Contas pagas juntos, filhos criados juntos, consequências arcadas juntos. Ela até se espanta, pelo histórico de vida que tinha, com uma mãe absolutista, de conseguir viver numa democracia amorosa por tanto tempo. Às vezes se irritava. Eu não posso nem colocar um quadrinho miudinho na parede sem perguntar pra ele. As amigas rebatiam. Também pudera, né? Logo quadro? O cara é artista, pô, esqueceu?

Voltando às torneiras e aos bafos, sendo o catálogo só um para os dois, e a distância entre olhos e narizes bem estreita, ele delicadamente vira o rosto em direção contrária ao rosto dela e busca ar numa esfera mais distante e limpa. Ela percebe. Afogado por odores de Allium sativum, ele não reclamou, não xingou, não ironizou. Depois de tantos anos juntos, ele pacientemente vira a cabeça para o outro lado. Ela vê nisso um gesto de carinho e de resistência. Apesar de tudo, eu te amo, falou o pescoço procurando vagarosamente oxigênio em direção oposta ao ser amado.

Todo amor que aceita a prova, aceita a duração, aceita esta própria experiência do mundo do ponto de vista das diferenças, nesse sentido produz à sua maneira uma nova verdade sobre a diferença. É por isso que todo amor verdadeiro diz respeito a toda a humanidade, por mais modesto e oculto que esse amor possa parecer.

Alain Badiou


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