Fasching nada!

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Fasching nada!
Sai da minha frente que eu quero passar-ar…
Pois o Samba está animado e o que eu quero é sambar!“

Eu sou do Samba e não nego. Sempre fui. Quando éramos pequenas, dona Zilda – minha mãe – fazia questão de montar duas fantasias por ano para mim e minha irmã. Me lembro da Carmen Miranda. Ela costurou uma mini-saia de baianinha com mini-blusa, no turbante frutas de plástico, brincos de argola quase do tamanho da nossa cara que deixava marca no lóbulo da orelha, nos pés um par de tamancos Dr. Schott pintados de dourado. E lá íamos para o matinê do Clube Marajoara. Bandinha tocando, as crianças dançando em círculo. Cresci e troquei os matinês por Arraial do Cabo, Búzios, Salvador. De férias no Brasil até saí numa Escola do Grupo B na Sapucaí.
Nesta época, sempre arrumo um jeito de festejar, não importa aonde eu esteja. Confesso que em Viena é tarefa árdua ter o prazer de encontrar o samba.
Domingão, amigos austríacos também com crianças nos levaram para dar uma olhada no Faschingsumzug (Desfile de Carnaval) de uma cidadezinha perto daqui. Todos muito preocupados comigo:
– Olha, Lina, não vá comparar, é bem diferente…
– Tranquilo, galera, tô acostumada!
Chegando lá, relembrei os matinês da infância. Tinha pirata, árabe, palhaços, princesas, pierrot e colombinas. A única diferença é que ao invés de 5, a faixa etária era de 50 anos…E ao invés de Mineirinho, eles entornavam Schnaps (cachaça).
Imagine como é o carnaval em pleno fevereiro no interior da Áustria: 4 graus, um frio da por…, um vento fud… e nada dessa história de sacanagem, erotismo, nudez (pudera, com um frio destes…). É tipo baile à fantasia mesmo. O austríaco é neste momento uma caricatura dele mesmo! Alguns nem precisam de máscaras, só um efeitosinho aqui e ali e pimba, tá montado o personagem de sí próprio!
Um carro atrás do outro, todo mundo organizadinho, enfileiradinho. E finalmente, depois de muito custo, alcançamos o carro brasileiro. Era uma meia duzia de passistas pingadas. As gostosonas na frente, as nem-tão-gostosonas atrás. O Deejay mandando brasa nos „alalaô“ e „mamãe eu quero“ da vida. As passistas de lábios sorridentes e roxos, dando tudo de sí. Me fez pensar o que seria pior, embaixo do sol de 40 graus ou neste frio de 4? Elas aqui enfrentando o vento e a cara fechadona do público. Dignas heroínas! Completamente rouca, segurando um gurí numa mão e a câmara na outra, fiquei sem saber como dar uma força, dar meu apoio. Chegar até a ala pra mim foi como se tivesse chegado no oásis. No meio do deserto do Sahara, a miragem do que seria um carnaval. Uma maquete feita de rude papier-machê (tipo aquelas que a gente fazia no ginásio pra passar de ano em Geografia). Mas pra quem tá morrendo de „sede“, qualquer sambinha batido na caixa de fósforo vira uma bateria inteira da Viradouro. As decorações de papelão improvisando palmeiras… A „destaque“ em cima do carro com uma calça adidas por baixo e luvas de lã… Meus amigos austríacos preocupados perguntam: „Lina, tá doendo muito?“ Abrí um sorriso, os olhos cheios de água: „Não, gente, tá tudo bem, eu tô legal…tá…“ Daí passou ela quase na minha cara, tipo „tô-nem-aí-quero-é-sambar“, quase nua, solta, cheia de celulite, flácida, disforme, num corpo meio gordinho, tremendo, rodando, uma coisa tão espontânea, tão Brasil, uma bunda sem vergonha de se mostrar em todas as suas verdades estéticas. Uma bunda com Selbstbewüßtsein (segura de sí), em outras palavras, uma bunda bem resolvida. Naquele desfile no quinto dos infernos da Europa na porr.. do frio, ela reinava absoluta na avenida, tipo num tem pra ninguém! Eu fiquei impressionada com aquilo. Só dava ela no pedaço… Uma coisa é ver bunda por todos os lados. Bunda morena, mulata. Bunda redonda, perfeita. Bunda caída, desfigurada. Bunda famosa, bunda anônima. Outra coisa é ver uma única bunda no quinto dos infernos da Europa na porr.. do frio, no meio do povão agasalhado e de cara fechada (sorrir no frio dói os dentes!). Ali ela tomava conta de tudo. Alí não tinha Paes, Araújo nem Massafera, ela era a única, não tinha nenhuma outra (bunda-)concorrente, Ela era um Extra-terrestre na Constelação local. A única bunda a se mostrar plenamente, completamente…uma bunda digna de coragem, cheia de identidade, sem paranóias nem pudores, feliz de ser o que é, enfim uma bunda bem Brasil! Enfrentando o vento e a cara fechadona do público, a bunda feliz ia abrindo caminho entre os outros. Quatro graus e a bunda sacudia, um frio da po…e a bunda pulava, um vento fud…e a bunda rodava, o povo pasmo e a bunda sorria…
Eu então, de lá do quinto dos inferno da Europa na porr… do frio do cacet…no maldito do vento na cara, olhando pra ela, a bunda em si, abri um sorriso ao me lembrar daquela canção:
„Isto aqui, Ioiô, é um pouquinho do Brasil, Iaiá…“
Valeu, bunda! Você me fez, daqui do quinto dos infernos, do frio da porr…com esse vento fud…encontrar o samba!

p.s: Notícia de última hora: A ala brasileira ganhou- entre 40 outras alas- o desfile! Dá-lhe, Brasil! Bunda neles!
Foto de Michel Filho, O Globo. No Sambódromo, é claro! Por que euzinha mesma não consegui fotografar a bunda única de lá do quinto dos infernos da Europa pois ela tremia, rodava, pulava…e os meus dedos congelando, o guri berrando, o vento da porr…um frio do cacet…

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