Marcela e o ticket em aberto

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Ela tinha um ticket em aberto de volta para o Brasil e me pediu pra ajudá-la por que não estava entendendo direito como funcionava o esquema. Liguei para a agência de viagens e traduzí para ela o que me foi explicado: se ela quisesse voltar nos próximos dias, teria que dar uma resposta o mais tardar amanhã cedo por que havia poucas vagas e etc. Ok. Serví o jantar e mais uma novidade pra Marcela: Gulasch. „gu o quê?“. „Eu com meu sotaque de carioca: „Guuulaisxxxx, pode puxar no x, tipo xxxiiiiii, sujou, sabe? Goulaixxx! É ensopadinho de carne com paprika, este pó vermelho aqui que parece urucum, gostou?“ „Uma délicia, oh xenti!“. Enquanto saboreavamos o gulasch com cerveja e as criancas se pintavam toda de vermelho com o molho, ela quis saber como é esta história de elevador com chave. „É assim: O elevador foi construido há alguns anos e só pode usar quem pagou pela construção e paga pela manutenção e só quem pagou recebe a chave que faz o troço funcionar.“ „Ué, e quando vc recebe visitas?“ „Eu abro a porta através do botao eletrônico, vou para o corredor, escuto os passos da pessoa ou quando nao escuto, dou uma gritadinha: Fulano, entra no elevador que eu te busco!“ „Ai, gente qui complicação! E se a pessoa chegar assim tipo, oi, tava por aqui de bobeira e resolví dar um alô…“ „Marcela querida! Aqui ninguém fica de bobeira principalmente quando lá fora faz menos 15 graus! Se alguém quer te visitar, a pessoa liga, marca dia e hora….“ „Oh xenti, parece até médico!“.Marcela comia e pensava e de repente mais dúvidas: „Ué mas quem é que não pagou o elevador? No brasil todo mundo tem que pagar, né? Vem no condomínio igual pra todo mundo“. „È, mas por exemplo: quem mora no térreo nao paga….“. „Ué xenti, mas quando a dona do térreo quer te visitar?“. „Eu nao sei nem o nome dela e há 6 anos que falamos Grüss Gott, Grüss Gott e nada mais.“ „Gró Gru quê?“ „Grüss Gott, lembranças de Deus“. „oh xenti, em Salvador a gente fala axé! minha rainha!“ Me imaginei cumprimentando a gordinha mal humorada do térreo com um “Meine Königin!” Marcela pensativa, limpa a boca de Thulio, eu podia imaginar o que se passava na cabeça dela, para ela era tão natural tratar todo mundo de meu rei, minha rainha, fazer amizade com a vizinha, o carteiro, a vendedora de flores…Marcela pede mais batatas, mastiga, pensa, os olhos vivos querendo engolir o mundo, ela continuava sem entender: „Ué, mas nunca faltou um acucar, dona Lina, nunca precisou de um café? Nunca passou mal, precisou bater no vizinho….“……eu não sabia o que respondê-la, ficamos em silêncio……Sentí que alguma coisa tocou muito ela, a cortina que separava-a da realidade aqui na Áustria estava se abrindo e ela parecia espantada com esta nova descoberta. Levou as crianças para a cama e voltou, continuo calada, quando eu já estava indo me retirar, ela :“ Dona Lina, é que eu…….“ „que foi, Marcela? fala! tá tudo bem?“ “ Tá tudo bem mas sabe o que é…….que horas abre a agência de viagens amanhã?“

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