Com quantos paus se fazem uma fogueira?

Aconteceu no início dos anos 80. Naquela época, achar agulha num palheiro era mais fácil do que ver um negro por estas bandas. Maurinho Mastro – nego bonito, baiano cheiroso que só ele, com ginga no corpo e sorriso irresistível, dentes branquinhos – pousou por estas terras pra tocar numa dessas bandas em algum festival desses numa dessas cidades, e acabou ficando. Vocabulário alemão primitivo, conquistava a todos só com a simpatia. As austríacas caíam na cama dele que nem peças de dominó enfileiradas, tum, tum, tum, tum…. E isso quando tinha cama. Porque Maurinho rodava a Europa de Kombi, junto com outros amigos, tocando samba, bossa nova e essas coisas de que gringo gosta. Ótimo percurssionista. Tinha ritmo no palco e na vida. Derrotava mulher e adversário só na lábia e no sorriso.

Voltando da Suíça, a galera para na fronteira pra ir ao banheiro, e Maurinho vê, jogados no gramado ao lado, vários pedaços de madeira em bom estado. Pô, a Kombi vazia, o inverno chegando, a madeira dando sopa… Seria tudo de bom na lareira do apartamento emprestado, que não possuía calefação. Maurinho rapidamente começou a recolher a madeira e colocar os pedaços no carro. O policial louro, alto, forte vem a todo vapor em direção ao nego.

– Ei, ei, você aí, africano!
– Eu não sou africano, sou brasileiro!

– Aaah, brasileiro, africano, pra mim é tudo a mesma merda! Que ideia é esta de pegar a madeira? Você tá pensando que tá na África?

Maurinho, muito nervoso, mas sem perder o bom tom:

– Eu não sou da África, sou do Brasil!

– Aaah, Brasil, África, pra mim é tudo a mesma merda!

Maurinho abre aquele sorriso „tudibom“ pra ajudar na desculpa esfarrapada:

– Ah, seu doutor. É que me disseram que, aqui na Áustria, tudo o que a gente vê no chão, a gente pode pegar.

– Aqui não é a Áustria. Aqui é a Suíça! – Maurinho rapidamente fechou o porta- malas, entrou no carro, ligou o motor e falou firme para o guarda:

– Aaah, Áustria, Suíça, pra mim é tudo a mesma merda! – E saiu batido, cantando pneu, deixando pra trás o guarda pasmado

A Aterrizagem da ficha Brasil

Eu tinha acabado de chegar no Brasil. Deitei na cama exausta depois de quase 20 horas de viagem, dois aviões, esperas, dá um peito, dá outro peito e umas 10 fraldas sujas. O cheiro de feijão temperando no alho entrando pelas narinas. Mamãe mandando brasa no fogão e a dor nas costas confundindo minhas emoções. Mal conseguia me mover. Minha cunhada e muito amiga desde a infância chegou e deitou suas mãos abençoadas de massagista profissional nas minhas costas. Pra cima, pra baixo. Forte, fraco. Repuxado, esticado, encolhido. Ritmado, leve, fundo, denso… gostooooso.
Acabada a sessão, virei o corpo agradecida:
– Minha linda, que delícia. Muito obrigada. Quanto eu te devo? – E já fui catando a carteira. Num primeiro momento ela ficou meio atordoada mas depois falou claro e firme:
– Vai tomar no cu!
Choquei.  
– O quê?
– Vai tomar no cu, mulher, que pagar o quê! – Fiquei meio sem graça e depois relaxei: Ah, chegueil! Welcome home, Lina. Aterrizei na minha terra, aonde pessoas amigas te mandam tomar no cu por cortesia e amor.

Esmalte Colorama diz Adeus

A versão original desta crônica é uma carta, dirigida à minha família, e, entre outras coisas, exprime a dor de estar ausente quando alguém querido morre e de não conseguir chegar para a despedida. Os enterros acontecem, no Brasil, no máximo 24 horas após a morte – ao contrário daqui, onde demoram até duas semanas. Escrever, às vezes, é tão necessário quanto sentir.

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