ela só percebeu que estava completamente integrada no país onde vivia, quando o deixou para passar férias no seu país de origem. no buffet do café da manhã, fez um sanduiche com bastante queijo e presunto, enrolou no guardanapo e guardou furtivamente na bolsa junto com umas maças. na piscina do hotel fez topless. até o garçom arriscou chamar a atenção da distinta dama em inglês. havia um longo processo em andamento que só agora se tornou evidente. desintegrar-se no país de origem para integrar-se no país que escolheu viver. caras de espanto gritavam diante dos olhos dela, o que ela muito atônica percebeu logo nos primeiros dias: se eu me integro em qualquer lugar, eu me desintrego aqui, onde nasci e vivi. uma equação matemática, simples e precisa. ela fala com o garçom usando três vezes „por favor“ e „obrigada“ para um pedido apenas: uma caipirinha com cachaça e pouco açúcar. pés cascudos despedicuriados movem-se freneticamente na beira da piscina, debochando da própria dona. ela pega o lenço de papel e funga o nariz soltando o som de um porco agonizando. os hóspedes fazem cara de nojo. tô nem aí! o corpo pálido vestido de um biquini pouco usado mas da década passada, se ajeita na espreguiçadeira. ela fecha os olhos, vira o rosto para o sol e se entrega submissa e livre de culpas à total desintegração cultural. foda-se!
„Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.“
„Navegar é preciso“, Fernando Pessoa