Eu mal acabei de conhecê-la. Aliás, eu não a conhecia. Tratamos pelo telefone, e ela me disse que tinha que ser no apartamento dela.
„Não dá tempo, enquanto eu te atendo, vou botando um arroz pra cozinhar“, e depois sairia correndo pra buscar as crianças. Tudo bem, me desloquei pra lá.
Eu mal acabei de falar alô. Como reagir a confidências não desejadas? A intimidades não requeridas? No caminho, pensava no que ela já tinha me contado, nos poucos minutos de conversa telefônica, que nada tinha a ver com o serviço proposto. O tipo da pessoa que consegue afogar o tempo, inflando-o de palavras e sentenças numa velocidade e intensidade descontroladas. Quantas histórias cabem num relato? Quantas certezas cabem numa opinião? Quanta intimidade e confissão cabem numa simples apresentação?
Eu mal acabei de sentar, e ela carinhosamente envolveu minhas mãos nas suas, abrangendo-as para além dos meus pulsos. Um abraço de mãos. Me encarou bem perto do seu hálito, o tato entre epidermes e dedos era quase uma osmose. O chão dos seus olhos encheu como piscina de clube, desengonçada e desastrosa. „Se eu chorar, não ligue, é que eu sou muito emotiva e tenho passado por sérios problemas, eu vou te contar tudo.“
Boca sem corpo produzindo roteiro de telenovela. „Aí eu virei pra ele e falei assim…“ Água morna para amolecer, „você não acha que eu tô certa?“. Uma espátula pra empurrar, „imagina se fosse com você, o que você faria?“. Polimentos para acertar, „comigo é assim, você sabe do que eu estou falando, né?“. Carnes para arrancar, „fiz mesmo e faria de novo, qual mulher aguentaria isso?“. Cores para embelezar, „você acredita que alguém pode ser cara de pau neste nível?“. Última camada pra finalizar, „você é sempre tão calada assim ou sou eu que falo demais?“.
Eu mal acabei de conhecê-la. Aliás, eu não a conhecia. Aliás, eu só vim aqui para fazer as unhas…