No meio da comemoração de Natal, entre este biscoitinho tá ótimo e adorei os presentes, senti um olhar inquisidor vindo de algum canto. Alguém me observava, e eu procurava saber de onde. Até que achei você olhando pra mim, com um certo ar de Mona Lisa enigmática. Meio deboche, meio seriedade. Ah, então foi isso que você construiu, né, Lina? Me intimava esse olhar. Você, que sonhara tantas coisas e era movida por tantas certezas. Que saiu por aí atrás de seus sonhos, que perdeu o fio da própria meada tantas vezes… Ela me encarava com os olhos de dezesseis anos, me hipnotizava numa viagem entre nunca passado e sempre futuro. Porque o presente é esse átomo infinito que escorrega entre os dedos, que foge no seu olhar. Ah, então foi isso que você construiu, né? Amor, filhos, família, Viena… Eu estou aqui parada um tempão procurando seus olhos, encare-me, encare-se!, você me grita numa impaciência imóvel e imortal, uma inquietude de sempre a mesma. Aceitei a careação e pus-me a te fotografar, você-eu, os dezesseis anos mirando os cinquenta e dois. Um duelo de anseios e cobranças, de sustos e delírios, de confraternização e repulsa, de gozos e sabores. Sem chances de escapar. Como uma foto numa cristaleira, tirada a dez mil quilômetros de distância do lugar de origem, pousada em algum apartamento na cidade de Viena, na segunda década do século vinte. E um encontrando o todo e o tudo do tempo numa noite de Natal. E uma encontrando a outra. Aqui estamos, eu e você, o agora e o nunca, o jamais e o eterno. Sem motivos para escapar.