marcela e o mofo


quando abrí a porta e dei de cara com ela meio sem graca, meio gordinha, percebií tudo: sou eu há uns 20 anos atrás! ela já estava em viena e foi recomendada por uma amiga que a trouxe de salvador, chegou meia hora atrasada e a única desculpa que deu foi: „poxa, o élevador tá quebrado! tive que vir de escada……“ (detalhe: eu moro no 3. andar!) coloquei chá na mesa, queijos, pao e conversamos sobre ela, sobre o que veio fazer em viena („ué, genti, morar, viver, ué, sei lá!), sobre a cidade („é tão linda!“) e os meus filhos (ó genti, cóisa linda! meu rei“) encheu a casa com aquele astral descompromissado baiano, aquela cantoria no falar. eu toda preocupada em explicar os deveres e obrigacoes, o que é aonde, o que pode e o que nao pode e etc. ela sempre sorrindo, leve, solta. me lembrou da verinha paulista: „meu, eu adoro baiano, sabe pq? pq baiano não tem paranóia!“ é, ela era tão simples, tão pura…….mas o outro lado da moeda é que apesar de estar há algum tempo em viena, parecia que ainda não tinha chegado! tirando um ou outro „ménino“ que conheceu, convivia todo o tempo com baianos. só falava danke(obrigado), bitte(por favor) e wie geht(como estás). continuamos nossa conversa aproveitando que as criancas foram dormir cedo. ela me disse que acha „um absurdo a pouca higiene das pessoas aqui, não tomam banho todo dia, que horror, eu mesma tomo 2 por dia“ eu escutava calada. „conheci um gatinho, a gente se encontrou várias vezes até que um dia ele me levou pra casa dele e bejinho pra lá e beijinho pra cá, pega dalí pega de cá, afastei ele um pouco e falei: tudo bem, eu vou pra cama com vc mas quem vai tomar banho primeiro agora vc ou eu?“. rí muito e ela continuou:“pq vc tá rindo? em salvador é assim, óh genti!….foi legal mas ele nunca mais me procurou……..“ notei que ela cheirava todos os queijos e nao provou nenhum. passei uma boa porcao de roqueffort no pão e dei pra ela: „abra a boca, coma!“. “ mas eu não gost…….“. „coma!“. „hum, hum hum……….gostoso, muito gostoso, esse é um dos mais fedorentos mas gostei, muito bom“. „pois é, tá vendo este verdinho aqui no queijo? é mofo, o queijo é mofado, ele fica num porão por meses mofando, aliás amadurecendo.“ „mas…mas……o pedaço que vc me deu não tinha mofo não né?“. „claro que tinha! “ por dentro eu me divertia, a cara dela era de espanto, como pode ter gostado daquele fedor? mas ela gostou e gostou tanto que a partir de então os queijos quanto mais fedorentos mais rápido desapareciam na boca de marcela. e eu pensava, chegou crua aqui em casa mas sairá no ponto!

bilinguidades de criança

hoje choveu e fez frio. foi o dia de respirar fundo, olhar para os lados, ver o que se tem pra fazer antes do frio chegar pq ele é implacável, chega de mansinho, devagarinho e a gente tem que estar com tudo em cima, saude, grana, tudo o que deve ser arrumado e consertado em casa, e principalmente suficiente quantidade de sol na alma pra aguentar até a próxima primavera. lembro a história do grilo que cantou todo o verao e no inverno ficou no perrengue…….
observei thadeo contando um filme que viu para o pai, explicou todas as cenas em alemao, é uam graca quando conversa, os olhos brilham e fala sem parar, anda de um lado para o outro, gesticula, um autentico representante da familia prathos! e no meio da encenação ele explica que o personagem tirou uma meleca, botou a meleca lá e dai a meleca caiu e dai……foi muito normal o que ele falou, faz parte da história o que ele contou, mas a palavra meleca foi a única palavra em português que ele colocou no meio da explicação! fiquei com uma pulga atrás da orelha! será que com só 4 anos já tem tanto jogo de cintura pra filtrar as coisas e organizar as línguas na cabeça? juntando isso ao fato de que hoje pela manha, quando estavamos no metro, cheio de gente, ele grita em plenos pulmoes: „mama, ich habe ein pum gemacht!“ morri de rir! fui a única que riu (que alívio!) mas morri de curiosidade pra saber que, se um dia estivermos num metro no brasil ele será também esperto pra dizer um: „mama, eu fiz um schass!“