Rugas, cabelos brancos e declinados

No Guichê de Informações da Volkshochschule (Escola profissionalizante) folheando o programa á procura de um curso de alemão:
Atem und Stimme – Mut zum eigenen Ton
Não preciso, isso eu tenho até demais. Berrar é comigo mesmo!
Ab morgen nehme Ich ab! (A partir de amanhã emagreço!)
Só se for comendo Manner Schnitten e tomando Budweiser (Cerveja)…
Konfliktmanagement (Admnistrando conflitos)
Aprende-se a apartar briga de pirralho?
Freie Malerei (Pintura livre)
Não obrigada, já tenho dois „freie“ pintores lá em casa!
NLP Resonanztraining mit Pferden
Wie bitte? Cuméquié? Programação Neurolinguística com cavalos?
„Aprende-se com a sabedoria dos cavalos a superar situações difíceis na vida…“ Bom, o dia que eu enlouquecer e injeção na testa não fizer mais efeito eu tento isto, por enquanto não…
Erfinden Sie sich neu! (Invente-se de novo!)
Olha, até que não é uma má idéia…Mas já faço isto todo dia…
Irgendwie sind Sie nicht ganz glücklich mit Ihrem Leben? É…Mais ou menos… Irgendetwas scheint zu fehlen? Talvez…Sei lá na verdade!
…dann sind Sie in diesem Kurs richtig. Peraí, Hare Khrisna e Assembléia de Deus fala a mesma coisa e com eles não tem Kursgebühr (taxa de curso)…
Effizient mit seiner Umwelt kommunizieren!
Acho que este seria bom pois digo e repito todo dia de manhã pra Thadeuzinho: colocar a roupa, tomar café da manhã e escovar os dentes e ele entende: brincar, folhear pato Donald e comer chocolate!
Happy Bauch
Quem disse que a barriga fica feliz? Se ela falasse iria com certeza xingar durante a aula inteirinha
Bollywood Dancing
Aprender aquelas coreografias cafonérrimas? Nem morta!
Möbelrestaurieren (Restauração de móveis)
Isto seria ótimo por quê tá tudo caindo aos pedaços lá em casa
Achei! Era isto que eu estava procurando: Alemão para estrangeiros
Sicheres Deutsch (Alemão firme)
Sentiu firmeza?
Deutsch Nonstop (Alemão sem parar)
Até um berrar: num tô podendo mais!
Deutsch perfekt (Alemão perfeito)
Não peço tanto mas…
A atendente já impaciente, interrompe meus confusos pensamentos:
– Bitteschön? (Pois não?)
– Eh…eh..Vocês tem Deutschreparieren? (Restauração do Alemão)
Ela me faz um meio sorriso tipo „que-piadinha-boba“.
– Como assim?
– É por quê eu já moro aqui há muito tempo e sei falar a língua mas como a senhora pode perceber, meu alemão é muito kaputt (quebrado)…
– Há quanto tempo você mora na Áustria?
– Ah, já perdí as contas. Mais de 10…
– Meses?
– Anos!
– Tski, tski, tski, complicado…
– É, também acho a língua alemã complic…
– Não a língua, o teu caso é complicado…
Gostaria de contár-lhe -pra dar um clima mais entspannt (agradável) á conversa- quantos cabelos brancos e rugas de expressões já adquirí por causa destas benditas declinações mas depois de ouvir tanto troço declinando errado, ela seria com certeza capaz de me mandar para o mobral austríaco!
– Hum, Deutsch II não é, VI? Também não tá pra tanto…Qual é a tua profissão mesmo? Artista gráfica? Ah, tem cada curso de desenho maravilhoso, olha este aqui: „Como pintar natureza morta“…
A esta altura resolvi interromper a conversa. Agradeci a atenção enquanto colocava o programa dos cursos na bolsa prometendo pensar com calma sobre o „teu caso“, digo sobre o meu curso. Fui embora frustada, arrasada com raiva da língua (die Sprache, der Sprache, Das Sprache?) com a raiva na língua, com o raio da língua, ou com ous raios… que o parta.
Chegando em casa, lí a carta de tia Mariinha:

„Minha querida sobrinha Lina
Quanto tempo nao recebia uma carta de verdade escrita á mão! Que lindo! E as fotos maravilhosas que dão pra pegar, sentir…tão diferente do que ver no computador. Enfim, amei!
Você sabe, sua tia sempre deu tanto valor á lingua bem escrita e falada, portanto querida, nao fique chateada mas preciso fazer algumas correções no teu português:
1) Por mais magra que estejas: „Kilo“ se escreve com qu (Quilo), e amamos o „Kalendário“, digo calendário.
2) Teoréticamente nem na teoria! Correto é teóricamente. (Sua tia esperta já deduz então que em alemão é theoretisch, acertei?)
3) A receita do empadão deve ser uma delícia, o dia que eu descobrir o que é Basilicão e Coriandão eu faço (seria talvez mangericão e coentro?).
4) Quanta honra a sua mas „Tia“ se não for no início da frase, escreve-se „tia“ tanto quanto todos os substantivos em português que não sejam nomes próprios: „filhos“ por mais que sejam grandes sempre se escreve em minúsculo. Assim como inverno, frio, neve, casa, berros, mãe, nervos, crianças, paciência, louca, briga, irmãos, bagunça, histérica e etc.
Fico por aqui te desejando um inverno bem quentinho e tempo para você ler um pouquinho mais em português, de preferência os clássicos (com „c“!) que a tia tanto gostava de te emprestar. Machado de Assis, José de Alencar… E para os meninos já encomendei Monteiro Lobato (você leva da próxima vez).
Um abraço grande, muitos beijos.
Saudades,
tia Mariinha.“

Minha auto-estima que já estava lá embaixo, desceu mais ainda. Peguei o Thadeuzinho no Jardim de Infância e ele reforçou o astral-crise:
– „Mamáe“, você pode para mim este brinquedo na mochila colocar? (…) O Mário levou um tombo e tá com o joelho „blutando“! (bluten= sangrando).
Assim não dá! Acordei no dia seguinte decidida, botei meus cuturnos de neve pra dar firmeza no andar e no espírito, café pra esquentar os ossos e clarear a mente. Strassenbahn (Bondinho), metrô, vento na cara e encarei de novo a Frau (dona) da Sekretariat, digo Secretaria (minús- ou maiúsculo?). Ela fez aquela cara de „ih-lá-vem-a-pirúa-doida-de-novo“:
– „Bitteschön! Qual curso a senhora vai querer fazer? Alemão? Pintura? Temos também este aqui: Desenhando Mosaicos…
– Não, não…wissen Sie… (Sabe o que é…) eu pensei bem e decidí algo bem melhor. Vocês tem Português para estrangeiros?

Obs.: Se alguém se interessar em fazer alguns destes cursos, estes e muitos outros estão aqui

Saunódromo!

Um casal de conhecidos da minha família veio visitar Viena. Depois de ter dado uma „relaunch“ na mala deles, conseguimos sair para passear sem que eles quisessem voltar para o hotel depois de 10 minutos. Dá pra entender. Eu também sofri até aprender a me agasalhar, entender a diferença de 1 grau com sol, sem vento (dá pra aguentar sem luva), sem sol (bota aquela de lã e vai fundo!), com vento (luva de couro e punhos fechados!), sem vento com neve (impermeável acolchoada– ótima pra fazer gerra de neve) e descendo pra negativo (o jeito é botar a de pele de carneiro e ter fé em Deus!)
E imagino alguém agora no Rio de Janeiro com 40 graus, derretendo de calor, fazendo uma mala pra viajar pra Europa. Qualquer casaquinho de lã parece o suficiente pra aguentar a Sibéria!
Daí chegando aqui Suzana percebe que aquela botinha fofa de camurça comprada na liquidação da Arezzo esquenta tanto quanto uma Havaiana na neve! Aquele casaco de Couro que Rômulo usou só uma vez no festival do vinho em Friburgo e achou super-quente, em Viena parece que acabou o efeito. Ela fica gostosíssima com aquela calça jeans bem arroxada da Forum mas não há espaço pra colocar uma meia microfaser por baixo sem a qual a bunda congela. E falar em bunda, Suzana me mostrou toda orgulhosa o desenho da sua fantasia de carnaval, explicou todos os detalhes:
– Aqui nos tornozelos, no pescoço e nos pulsos, braceletes bordados de paetê. Na cabeça um enorme enfeite de plumas e penas de pavão, nas costas também um enorme arranjo…
– Lindo, Suzana, um arrazo! E no corpo o quê tem?
Ela ficou sem saber o que responder e de repente seu rosto se iluminou:
– Purpurina! Só um pouquinho aqui e aqui – Suzana apalpou com a ponta dos dedos sua púbis marcada pela calça apertada e seus seios duros de silicone. Tenho até um pacotinho aqui na bolsa, já vem com uma cola especial. Olha como são lindas!
– Sei, sei. Mas Suzana, nem um paninho, um biquininho?
– Nããããooo! Tá louca? Pra estragar tudo?! Já tô com tudo em cima: Silicone, Lipo, malhando todo dia…– Enquanto falava, ela passava a mão no corpo cheio de roupa, mostrando os lugares „com tudo em cima“.
Rômulo que era do tipo caladão, sorria orgulhoso da mulher. Ela realmente é uma morena que não deixa nada a perder para Juliana Paes.
Emprestei para a Suzana colocar por cima do casaquinho de lã, um Daunenjacke (Casaco de Penugem) e um bom sapato forrado de sola grossa. Rômulo coube num casaco de pele de carneiro do Maridão mais as botas de neve e fomos á luta. No mesmo dia liquidamos Stephansdom, Belvedere, Mariahilferstrasse e ainda demos uma passadinha no Naschmarkt aproveitando pra tomar um café do lado de fora das novas varandas aquecidas. Experiência interessante: a cara fica vermelha e os pés congelam por que as lâmpadas de aquecimento ficam penduradas no toldo da varanda.
Entre um melanginho (café com leite) e outro, contei para eles sobre as saunas maravilhosas que existem aqui. Banho turco, cabine de eucalipto, piscinas aquecidas, banheiras com hidromassagem, um SPA total. Eles ficaram interessados em conhecer só pra sentir de novo uma gotinha de suor escorrendo pela testa…Rômulo chegou xingando o calor carioca e depois de 3 dias já suspirava de saudades lembrando do asfalto derretido grudando no sapato e sonhava em poder sair do banho frio já suando de calor!
No dia seguinte, peguei eles no Hotel e achei bom prepará-los para a empreitada – Austríaco adora ficar observando os outros e quando eles sentem que você não é do pedaço, dependendo do humor, eles podem dar uma de pedagogos com você ou então soltar aquele dialetão rude e dar ordens. Então pra evitar micos, vou explicar algumas coisinhas para vocês:1) Antes de entrar na Sauna, tem que tomar uma ducha. 2) Em cima da entrada da porta da sauna, tem uma luzinha, se tiver vermelha, não entrem por quê serão vaiados e depenados. 3) Uma vez dentro da sauna, pelo mesmo motivo, se quiserem sair com vida, só saiam com a luz verde. 4) Quando alguém levantar e começar a fazer movimentos com uma toalha branca, vindo pra cima de você e quase dando uma rabanada na tua cara com a toalha, não se assuste! Daí, se todo mundo começar a gemer de prazer e se depois deste espetáculo, todo mundo bater palmas, não riem! Este é tipo o „momento da óstia“ para eles e nem em pensamento queiram no meio deste show, abrir a porta para sair, suas chances de sobrevivência são mínimas, mesmo derretendo de calor, aguentem firme. É o famoso Aufguss (infusão), joga-se água em cima das pedras do forno para aumentar a umidade da sauna, sua-se mais rápido e os movimentos com a toalha é para espalhar a umidade que fica concentrada no teto.
Achei que tinha esclarecido os pontos importantes. Chegando lá, para a troca de roupas mostrei-lhes o caminho para a cabine familiar e eu fui para a ala de cabine simples. Nos encontramos na ante-sala das saunas.
Eu dei um grito. Ela deu um berro. Ele deu uma gargalhada!
Eu – O quê vocês estão fazendo „vestidos“?
Ela – E o quê você está fazendo pelada?
Ele – Você chama de „vestidos“ este micro-biquini da minha mulher e a minha sunguinha quatro palmos?
E agora? Como explicar pra estes cariocas que é extremamente proibido entrar vestido na sauna…
– Gente, olhem ao redor, tá todo mundo pelado!
Eles cochichavam um com o outro dando riadinhas maliciosas – Olha o pirú daquele ali! – Olha a pombona daquela lá! Hihihi…
Eu morrendo de vergonha – Comportem-se, o Bademeister (Mestre do banho) está vindo na nossa direção..
– Grüss Gott! Sie durfen keine Badesache anhaben!
– Ele tá falando que tem que ficar pelado, gente!
– Então fala pra este mané aí que a minha mulher só fica pelada na minha frente e na frente de mais ninguém!
Eu (em alemão): – Sabe o que é, seu Bademeister, é que, é…é que a religião deles não permite.
– Es tut mir leid, das sind die Regeln. So dürfen Sie die Sauna nicht verwenden. Sie müssen den Raum verlassen. (Sinto muito, assim vocês não podem entrar. Então retirem-se do ambiente.)
Traduzi e Rômulo ficou enfurecido – Suzana, eu vou embora! Vou tomar uma daquelas cervejas deliciosas ali no pub da esquina. Lá tem TV e tá passando futebol. Muito melhor do que olhar este bando de manés pelancudos…se você quiser ficar, tudo bem mas COM biquini. Se vira aí com a Lina!
Eu também fiquei furiosa e abri a boca pra falar que mané era ele de achar lindo a mulher „a la natura“ na avenida pra sambódromo inteiro e milhões de espectadores da Globo mas pra meia dúzia de inocentes branquelos pelancudos não pode! Que preconceito! Mas ele já tinha ido embora. Suzana argumentou por ele:
– Aaah, caaara! Mas no Sambódromo é diferente, é outro astral…
Eu pelada de braços cruzados – Sei, sei…
O Bademeister irritado de braços cruzados – Was ist dann? (E aí?)
Tentei convencer Suzana a tirar aqueles centímetros de pano, decisivos para a nossa aceitação no local – Suzana você poderia…– ela me interrompe.
– Nããããooo! Tá louca? De jeito nenhum!
Ai meu Deus, e agora? Além de não poder entrar, ainda vamos ter que bater mais boca na portaria por que eu vou querer minha grana de volta…e este Bademeister tá ficando impaciente e eu tô com frio, doida pra entrar no quentinho…De repente, clareou – Tive uma idéia! Tá tudo resolvido! Suzana, pegue aquele pacotinho de purpurina na tua bolsa…– fui interrompida:
– Mas, Lina, você não está…– interrompi:
– Fica tranquila, é só um pouquinho aqui e aqui – Apalpei com a ponta dos dedos minha púbis desnuda e meus seios duros de frio.

Thadeuzinho vestibulando

Tudo bem que vivemos num sistema de igualdade social. Tudo bem que na Austria tem escola pública boa pra todo mundo.
Só que num país como este também tem as escolas públicas muito boas e escolas públicas não tão boas. E adivinha aonde eu quero que meu filho estude? Pois é, apesar de ele só iniciar a escola a partir de setembro de 2007 ou até 2008, é necessário como tudo aqui, meses e até anos de antecedência para conseguir as coisas!
Por sorte nossa, ouvimos de vários amigos que, pertinho aqui de casa existe uma escola que é super boa. Maridão foi lá em agosto obter informações e o diretor lhe deu um papel com dados e o „Tag der offene Tür“ (Dia de visita para conhecer o estabelecimento) para o final de novembro. Fomos na tal visita, nós e a torcida do flamengo inteira, né? é lógico! A maioria era austríaco, fiquei pensando, onde estão os amiguinhos do jardim de infância do Thadi? onde estão os turcos e jugos com cambada de filhos que mora na nossa redondeza? ninguém presente! Muitos imigrantes quase não falam alemão e tendo pouco contato com os nativos, ficam sem saber o mapa da mina, ou nem tem tempo de cuidar destas coisas, os pais trabalham muito, enfim…
O auditório lotado de Mamas e Papas. O diretor entra todo poderoso e já diz de cara: „Não temos vaga para todo mundo! Mais da metade terá que procurar outra escola. Prioridade é: Moradores da redondeza e pai e mãe trabalhando ou mãe/pai que cria o(a) filho(a) sozinho(a) ou local de trabalho perto. Os moradores que são do 1. distrito, do Fasanviertel e etc., Es tut mir Leid (eu sinto muito), Aufwiedersehen (tchau!), casais com mãe ou pai que não trabalham, Tut mir Leid, Aufwiedersehen..etc
Eu me senti num Casting pra capa da Vogue italiana! „Queremos uma capa com morenas, portanto loiras e mulatas, sinto muito, Aufwiedersehen…“ Mas a gente tinha boas cartas, os dois autônomos com local de trabalho e moradia a 2 quarteirões da escola, ficamos. Ele explicou que por ser uma escola de tempo integral (até as 15.30 h. integral?) só há vagas para os pais que trabalham e etc. e vários discurssos pedagógicos com termos difíceis e pensei de novo na meia dúzia de estrangeiros presentes se eles estariam entendendo estas formulações de alemão nível pós-doutorado…
Próximo passo, duas semanas depois: Uma reunião com pais e filhos em grupos pequenos. Thadeuzinho todo animado: „Escola de verdade, mãe? OBA!“  Chegamos lá, nos separamos, nós, os pais, tivemos que subir para a sala do diretor e Thadeu foi entregue nas mãos de, segundo eles, pedagogas, terapeutas e „especialistas“ em avaliação de maturidade, personalidade e tudo o mais. „Ai meu Deus! “ pensei, „isto não vai dar certo“. Explico: acredito firmamente na capacidade motora e intelectual do meu filho mas também na capacidade fofocal do guri! Andar de ônibus com ele então é um circo! Entre uma parada e outra, ele já contou pra mulher que sentou na frente dele que a mama dele é brasileira mas „hoje não vai fazer comida por que tá de mau-humor…e por que você tem uma barriga tão grande? você tá grávida?“ e o Thuthu tá fedendo e „mama não trocou a fralda dele“, a gente mora na rua tal, „mama quando tá nervosa fala PQP, você sabe o que é PQP?“ -ainda bem que ninguém sabe mesmo o que é!- „Eu também não sei mas mama diz que é muito feio e eu vou cantar uma música pra você, é assim: mas quem é este homem com a bola no pé? é o rei pelé…“ o ônibus inteiro rindo por que ele adora falar alto, bem típico da familia Prathos. Com este guri, minha vida se torna um livro em aberto! Fiquei imaginado no que ele NÃO contaria para as „especialistas“.
Numa mesa redonda, na presença do diretor, preenchemos eu e maridão  junto com 6 outros pais um formulário com nome, endereço, profissão etc. Nossos olhares se cruzavam, clima de insegurança no ar, inveja, rivalidade… Semifinal da Liga dos Campeões: Barcelona, Milão, Chelsea, Real Madrid. Quem levantará a taça?
Maridão sussurra no meu ouvido: „Lina, aquela mãe ali mora só a 1 quadra da escola…“ eu quase gritando: „É Penalti!“ ele me cutuca por debaixo da mesa: „Fala baixo! Eu querendo uma vaga para o nosso filho e você pensando em futebol agora!“ Sussurrei de volta: „Desculpa. Schatz, em casa eu te explico…“
O diretor deixou bem claro que nesta escolha subjetiva de critérios, quem decide no final das contas é ele, então todos nós tentávamos de todo o jeito babar no ovo do cara, sendo educados, obedientes, se curvando e se desdobrando pra agradar ao rei da cocada pret…digo branca.
Pensei em puxar papo com o cara fazendo um dircurso sobre a arquitetura contemporânea do prédio e a influência de um ambiente agradável no rendimento escolar dos estudantes. Comecei a formular as frases na cabeça: Das Gebäude, Die Gebäude, Der Gebäude? ist schön, schöne? (a prédio? o prédio? „u“ prédio é bonito, bonita, bonitus?) Desisti, se eu abrisse a boca e mostrasse para ele meu alemão kaputt (defeituoso!), ele com certeza perguntaria se a vaga era para o meu filho ou para mim! Fiquei caladinha. Detalhe: nesta segunda fase da seleção eu era a única estrangeira! 
Descobrimos que só há 9 vagas para uns 30 pretendentes. Então o que era um casting pra capa da Vogue, passou pelos campos de futebol e se transformou num vestibular para medicina na Uff.
Encerradas as formalidades, fomos todos, inclusive o diretor, ao encontro das crianças. Enquanto descíamos as escadas, Maridão fez com seu hoch deutsch (alemão brilhante) observações interessantes e elogios á escola. Eu me limitei a ficar do lado dele sorrindo e balançando a cabeça pra cima e pra baixo comentando com um :“É, também acho!“ 
A porta é aberta e sai as crianças todas quietinhas, sorrindo direitinho em direção ao respectivo pai/mãe. Por último sai „Furacão 2000“, cheio de papéis na mão, saltitando e berrando: „Mama, Papa, eu fiz exercício, acertei tudo, olha, olha…foi esta professora gordinha aqui que me deu!“ espalhando os papéis no chão. Todo excitado, virou-se para a pedagoga, a própria gordinha que a esta altura estava roxa de vergonha: „Professora me dá mais exercício pra eu fazer em casa?“ e de repente notou a presença do diretor no ambiente e olhou-o de cima abaixo, fez uma cara de desprezo, uma mão na cintura e  a outra mão com o dedo querendo alcançar a cara dele: „E você? Quem é você? É o porteiro daqui?“
Bom, vamos ver se a gente consegue a vaga…….

Curtindo a praia errada

– CHEGA! – disse Janete quase gritando comigo no telefone – Eu não aguento mais ver minha amiga sofrer por causa destes “@rschl0cher” (homens sacanas). Já marquei hoje mesmo um jantar com um amigo que quer te conhecer. Economista, chiquérrimo, queridinha! Bota um modelito maneiro, maquiagem pra tampar esta tristeza e esteja lá às 8!
Janete é o tipo da amiga que “não frequenta a mesma praia”, escutamos músicas diferentes, pensamos diferente, ela tem lá o gosto dela pra se vestir e eu tenho o meu. Ela frequenta bar de mauricinho e só tem amigo advogado, político, economista…enquanto  que eu ando com os artistas, fotógrafos, garçons e todos os vampiros da noite. Mas quando „tô no perrengue“ e ligo, ela sempre está disposta a me ajudar, seja no que for. E naquele momento, há uns quatorze anos e lá vai pedrada, ela estava ali tentando me levantar de mais um pé na bu~d@.
– Eu tenho certeza que dele você nunca vai ouvir estas abobrinhas tipo “eu gosto de você mas eu quero a minha Freiheit (liberdade)!”
Meu instinto me dizia que isto não iria dar certo mas como eu já estava de saco cheio de tomar sopa Maggi sozinha em casa e Weissgespritzer (Vinho branco com Soda) no mesmo barzinho de sempre, o estômago falou mais alto, me arrumei e fui.
O cara era realmente interessante, culto, cabelos grisalhos contrastando com as sombrancelhas negras, conversa agradável mas… simplesmente não era a minha praia!
Estávamos numa das melhores Gasthaus da cidade, pedi um Beuschel (Prato feito com miúdos de bezerro). Ele me olhou espantado:
– Você pediu mesmo isto? – ih, meu Deus, será que cometi alguma gafe?
– Pedi, por quê? É muito caro? – nervosa, peguei o cardápio da mão de Janete para ver o preço enquanto ela me dava um cutucão na canela com a sua botinha bico fino por debaixo da mesa.
– Não é nada disso, Eu acho ótimo, aliás, maravilhoso que você pediu isto! É por quê geralmente vocês mulheres não comem estas coisas, só querem coisas leves…sempre fazendo regime…
– Você não está me achando gorda, né? – mais um cutucão de Janete!
– Não, não! Você está ótima assim! Quer dizer que você gosta de Beuschel?
– Adoro! Com Knödel, é claro! (Bola de pão cozida feita com leite, cebolas refogadas, salsinha e ovo)…Me lembra o nosso Angú à Baiana…
– Ãú o quê?
– Angú! É um prato também feito com miúdos, blá, blá, blá… – foi uma noite animada, falamos muito sobre comida, até sobre comida para os orixás eu discurssei (com direito a mais um pontapé de Janete). Saí de lá com a barriga cheia e a canela roxa (Janete danada!)
Depois de alguns encontros ele me contou que uma vez se apaixonou por uma mulher e chamou-a para jantar num dos melhores restaurantes da cidade. Ela pediu apenas água mineral sem gás e salada de folhas verdes sem molho. A paixão se evaporou alí naquele momento do Bestellung (pedido). Depois do jantar ele disse que um dia ligava para ela e sumiu! Não podia suportar a ideia de viver com uma mulher que pede água mineral sem gás pra beber e salada de folhas verdes para comer.
– Eu te entendo muito, muito bem – e lhe contei meu caso com o gatinho que tinha pavor de alho. Rimos muito e ele gamou na gracinha tropical. Eu suspirei aliviada por ter encontrado alguém que além de gostar de alho, me dava a atenção que eu precisava, entendia tão bem de tantas coisas, tantos comes e bebes que eu nem sabia que existia.
Nosso namoro foi uma festa gastronômica durante meses. Eu como simples vendedora de boutique que mal ganhava para viver, tive a oportunidade de conhecer todos os melhores restaurantes e pratos e maitres da cidade. Até engordei na época. Ficava o dia inteiro sem comer direito e no final do expediente, botava um modelito da loja, ele me pegava de taxi e eu ia viver uma noite de cinderela.
Eu estava mesmo precisando conhecer um outro mundo, por que os amigos moderninhos iam sempre no mesmo bar, sempre as mesmas festas, sempre as mesmas caras cinzas de tanto cigarro! E este outro mundo era um mundo de glamour, conhecí políticos importantes, advogados, industriais e toda a chiqueria vienense, tudo isto muito bem regado de bons vinhos, champagne francesa, finos schnaps (cachaça artesanal).
Aprendi a tirar a espinha inteirinha de uma truta sem sujar as mãos, a espremer o limão sem usar os dedos. A tupiniquim que até então só sabia a diferença entre um queijo Minas e queijo Regina, aprendeu a distinguir entre um Gorgonzola e um Roquefort, a pedir a melhor Safra de Grüner Veltliner. Chardonnay para os peixes mas para Forelle um Riesling novo cai melhor. .. Patê de foie gras, spaguetti com montanha de truffas…Que mundo novo e delicioso eu conheci! Mas muita coisa me incomodava. Me incomodava como ele me tratava (“Baby”), como ele se vestia (só tinha duas opções: terno e gravata ou camiseta polo e mocassin), como ele pensava, como ele via o mundo. Enfim, a praia dele era outra. Eu não tenho nada contra quem frequenta Camboínhas mas minha praia é Itacoatiara e pronto! 
Aquilo tudo foi me enjoando, me enojando, as fofocas, as intrigas políticas, “Mais uma taça de Sauvignon Blanc, please”, as chantagens econômicas, “Baby, coloque um pouco mais de limão na sua ostra…”, a amante do presidente, “Você quer passar para o Eiswein, Baby?” Eu começava a entender o que era emancipação feminina e era com certeza muito diferente daquilo que eu estava vivendo. E tudo culminou neste banquete de ostras. Voltei para o meu quartinho e passei mal demais, vomitei toda a comida, todo aquele mundo, aqueles conceitos, os perfumes Channel, os falsos sorrisos, os ternos Hugo Boss, as loiras austríacas geladas, as piadas de mau gosto. Vomitei eu mesma para fora e foi a minha vez de falar CHEGA! Passei a noite toda pensando em como fazer o cara sumir da minha vida pois ele já estava bem apaixonado pelo buquê de flores exóticas e cores vibrantes que lhe caiu nas mãos.
Passaram-se alguns dias e ele me ligou para irmos jantar, desta vez era o Top dos Tops: Drei Husaren, the best in the city. Meu plano era infalível e eu repetia para mim mesma: “Lininha, fica firme, segura a onda”. O Cardápio oferecia de entrada creme de lagostas com manta de salmão ou alcachofra marinada e patê de figado de pato selvagem ou…eu pensava: Meu Deus, não vou suportar. Prato principal: Carneiro caramelizado com tâmaras ou língua com creme de maça e kren ou… Socorro! Ele interrompeu meus aflitos pensamentos :
– Já se decidiu, Baby?
Respirei fundo, juntei todas as minhas forças e falei decidida:
– Sim, já sei o que eu quero: uma água mineral sem gás e uma salada de folhas verdes sem molho!

Palpitações enlatadas

Fomos visitar a Tante (Tia) Anette á tarde. Ela quis saber:
-”Você gosta de…” E mexeu os dedos como se tivesse tocando piano com as palmas das mãos para cima, dedilhando alguma coisa. Olhei desconfiadíssima pra velha e duvidei das preferências sexuais dela. Será que ela quer…Ela continuou, interrompendo meus maldosos pensamentos:
-”…Apfelstrudel?”
-”Adoro!” (Alívio! Por que a gente sempre tá pensando naquilo?) “Compro sempre no Hofer (Supermercado) um já prontinho que é só botar no forno e…”
-”Pára, pára! Um Gottes willen!” (=pelo amor de Deus) Botou a mão na barriga, fazendo cara de nojo. “Ai, tá me dando enjôo, palpitações no coração e uma tonteira medonha! Isto tudo é porcaria, nojento, eu nunca seria capaz de comer uma coisa destas!
-”Tudo bem, tudo bem, quando eu tenho tempo, faço em casa, é só abrir o pacotinho de massa foleada e…
-”Ai, socorro, Jessas! (em dialeto vienês: Jesus). Me segura que eu vou ter um troço. Aquela massa horrível! Argh! Vem cá minha filha que eu vou te mostrar…
Forramos a mesa com toalha umedecida e de uma bolinha pequenininha de farinha com água, Tante foi abrindo e esticando, fazendo aquele dedilhado (que tembém serve pra outras coisas!) até a massa cobrir boa parte da mesa. É preciso, como para a outra “coisa”, cuidado e delicadeza, um certo jeitinho pra massa não furar, pra gente chegar “lá”. O recheio: maças picadas, um pouco de açúcar, farelo de pão torrado na manteiga, nozes picadinhas e uva-passa. Enrola a massa e leva no forno por uma meia-hora. Serve-se com açúcar de confeiteiro em cima. Rapaizzz, dá pra comer aos metros! Uma delícia.
Conversamos, brincamos com as crianças, o tempo passou e Tante anunciou que serviria uma sopa. Enquanto ela abria a lata de sopa de feijão (Argh!), perguntou se eu gostava daquela marca. Olhei pra lata com nojo e rapidamente fui catando os casacos, cachecols e a cria e respondí já na porta da rua: “Não, muito obrigada, Tante, tá na hora de a gente ir embora” Botei o mais novo no colo e o outro fui arrastando pelo braço. “Bussi, bussi!” (=beijinhos). Tante Anette ficou parada na porta sem entender nada: “Mas o quê aconteceu? Por que ir embora assim tão subitamente?” Respondí nervosamente enquanto batia firme o portão do jardim: “Desculpe, Tante, mas é que de repente me deu um enjôo, palpitações no coração e uma tonteira medonha!”

A adaptação de Thuthu

Mãe austríaca tem mania de ficar 3 anos olhando para a cara do(a) filho(a). Acha que creche é muito impessoal, babá é muito cara, a avó já tá muito velhinha e tia solteirona ela não tem. Além do mais o governo dá aquela mesadinha pra “segurar” a mãe em casa, é mais barato para eles do que criar empregos e creches. Eu fiquei 20 meses olhando para os escornios do meu segundo filho e achei de muito bom tamanho. Juntando ao fato que a gente levava o irmão mais velho todo dia pro jardim de infância e o outro queria também ficar lá.
Mas no início não foi nada fácil. Thuthu teve um processo de adaptação bem peculiar. No primeiro dia, depois de apenas 1 hora, fui buscá-lo e a coordenadora me entregou o guri com o relatório oral de ocorrência:
– Foi tudo ótimo, Senhora Mares, só na hora de trocar a fralda é que foi um sufoco, ele não fica quieto, quase não consegui…
– Ah, esqueci de dizer que pra trocar fralda, Thuthu só fica quieto se você canta parabéns pra ele…
– Ah, Alles klar! (=Tudo claro!). Então da próxima vez eu já sei…
– É que tem um detalhe… só se for cantado em português! Em alemão não funciona, o pai já tentou várias vezes…
Sorte que Tante(=tia) Karin tinha um namorado português e Thuthu não se incomodou com o novo sotaque: “Pórrrabéins prrr vóce…”

Segundo dia, segundo relatório:
– Deu certo, tirei a fralda suja, limpei ele mas na hora de fechar a fralda parece que acaba o efeito…
– É que tem mais um detalhe: nesta hora você termina com: É BIG, É BIG, É BIG, É HORA, É HORA, RA-TIM-BUM: THUTHUZINHO, THUTHUZINHO!” Enquanto cantava, eu arregalava os olhos e sem nem perceber me sacudia toda (tá no sangue, ué!) e lhe assegurei:
– É batata, ele fica quietinho.
Ela me olhou com aquela cara de que paciência tem limite. Fiquei meio sem graça. Mas fazer o quê?

Terceiro dia, cheguei um pouco mais cedo e pude observá-la de costas através da porta de vidro, como ela pegou rápido o espírito da coisa. Thuthu deitadão e ela lá toda fogosa: “É big, é big…!” Sacudindo o popô. Ela se virou com Thuthu no colo, toda sorridente e deu de cara comigo, seu rosto corou de vermelho-paprika!

Quarto dia, nova première: Thuthu fica pra almoçar. Relatório de Tante Brigitte:
– Senhora Mares, hoje no almoço servimos Reisfleisch (arroz com carne) e o Thúlio olhou a comida e começou a gritar: Ijäääuuu!, empurrou a comida, correu pra cozinha gritando ijöööuu ou sei lá o que é isto, jogou os talheres no chão e começou a chorar, não parava de falar: jijööaau…
– Feijão! Ele queria feijão! – Como explicar pra uma austríaca que é quase uma ofensa oferecer para um brasileiro arroz com carne sem feijão! Vexame! Calamidade! Coitado do Thuthuzinho!
Pensei rápido numa solução e combinei que traria vários potinhos de feijão congelado já prontinho, quando o menu for arroz, é só descongelar um potinho e pronto. Ufa! Ainda bem que não perdi meu jeitinho brasileiro.

Próximo passo: Thuthu fica até às 15 horas. Relatório de Tante Elizabeth:
– Não quis dormir de jeito nenhum, carreguei no colo, coisa que nunca faço, cantei, nada adiantou…
– Ai, meu Deus, é que ele só dorme embalado na rede!
– Re… o quê?
– Hängematte, aquela coisa que os índios usam como cama… pendura na parede… de pano…– A mulher me olhava com descrédito e indignação. E agora? Como sair dessa? Pensei rápido:
– Eu tenho uma lá em casa sobrando, acho que ficaria linda aqui neste canto… as outras crianças vão adorar…– A expressão de desprezo se transformou em revolta, aquilo estava indo longe demais. Com toda a educação e sem perder a pose, ela começou a me esculachar:
– Senhora Mares, não estamos na Amazônia, não somos índios e sim europeus civilizados!
Eu já estava a ponto de, sem pose porr@ nenhuma, avançar em cima dela pra defender os pobres tupiniquins destes branquelos imperialistas e exploradores do planeta! Mas fomos salvas pela diretora do jardim que passava por ali e quis saber o que estava acontecendo. Para a minha sorte, ela era da geração 68, galera multikulti, drogas, sexo e rock n’roll e afins. Ficou encantada com a idéia da rede, dá um toque exótico no ambiente e tal. Tocou fundo o coração da coroa que já deve ter arrastado muito pano nesta vida. Mandou instalar a rede no mesmo dia. Salva pelo gongo.

Passaram-se uns dias, fui buscar o Thuthu mais cedo e as crianças ainda dormiam. Inclusive a Tante Civilizada. E adivinha aonde? Pois é, entrei no aposento devagarinho, me aproximei da rede e pude vê-la com um semblante tranqüilo, feliz… até babava a danada. Peguei Thuthu no colo e sai sem fazer barulho.

Rede instalada, feijão introduzido, RA-TIM-BUM incorporado. Depois de 2 semanas suspirei aliviada. Foi um sucesso a adaptação do Thuthu na creche, digo, a adaptação da creche pro Thuthu.
Eu só não podia prever que a simbiose fosse tão boa. Um belo dia, a Tante Brigitte ao entregá-lo, me pede mais potinhos com feijão.
– Mas como? Hoje mesmo de manhã eu trouxe 5!
– É…– ela falava meio envergonhada – sabe senhora Mares, as outras crianças também gostaram tanto…– Deixou escapar um sorrisinho tímido, pequeno mesmo mas que mostrou um pouco dos dentes e revelou a farsa: o bafo bandeira de alho e uma casquinha de feijão presa no canino direito.