Eles tinham acabado de discutir. Discussão feia. Grande. Asquerosa. E olha que tava tudo bem, mas, enfim…
Ela percebeu que alguma coisa estava fora de ordem enquanto descia as escadas do porão e procurava na dispensa as geleias feitas em verões passados. Quantos verões haviam se passado? Uns dez, ela faz as contas olhando a etiqueta no vidro. Lembrou a vez em que foi à feirinha orgânica e passou todo o dia fabricando o doce com o maior carinho. Desinfetar todos os vidros (limpar o próprio passado de vícios destrutivos?), colher só as boas frutas (jogando fora os pensamentos ruins), tirar os caroços (se entregar por completo à nova relação, sem esconder complexos e feridas), usar uma boa panela de fundo grosso (amar, sim, mas sempre com os pés no chão!), juntar a dose certa de açúcar (não sufocar seu amor, adoçar na medida certa), mexer lentamente (paciência), mexer lentamente (aceitação), até chegar ao ponto certo (acima de tudo: respeito), encher os vidros com os doces (retribuição), com cuidado para não entornar (comedimento), fechar bem direitinho (cuidar bem do seu amor). Agora, sim, podem passar anos. E que passem anos. Mas, depois de anos, ela abriu e viu o que eu vi: a geleia mofou. Acontece, é o acaso das coisas, pensou. Enquanto jogava os potes de geleia mofadas no lixo, pensou na certeza que lhe veio à mente. Acabou. Acontece. Mofou. Enquanto os vidros faziam barulho ao entrar em contato com o fundo da lixeira, ela teve a certeza de que o relacionamento com a pessoa que se encontrava acima dela, caminhando na sala (as tábuas rangendo, reclamando?), tinha acabado.