Tudo bem que vivemos num sistema de igualdade social. Tudo bem que na Austria tem escola pública boa pra todo mundo.
Só que num país como este também tem as escolas públicas muito boas e escolas públicas não tão boas. E adivinha aonde eu quero que meu filho estude? Pois é, apesar de ele só iniciar a escola a partir de setembro de 2007 ou até 2008, é necessário como tudo aqui, meses e até anos de antecedência para conseguir as coisas!
Por sorte nossa, ouvimos de vários amigos que, pertinho aqui de casa existe uma escola que é super boa. Maridão foi lá em agosto obter informações e o diretor lhe deu um papel com dados e o „Tag der offene Tür“ (Dia de visita para conhecer o estabelecimento) para o final de novembro. Fomos na tal visita, nós e a torcida do flamengo inteira, né? é lógico! A maioria era austríaco, fiquei pensando, onde estão os amiguinhos do jardim de infância do Thadi? onde estão os turcos e jugos com cambada de filhos que mora na nossa redondeza? ninguém presente! Muitos imigrantes quase não falam alemão e tendo pouco contato com os nativos, ficam sem saber o mapa da mina, ou nem tem tempo de cuidar destas coisas, os pais trabalham muito, enfim…
O auditório lotado de Mamas e Papas. O diretor entra todo poderoso e já diz de cara: „Não temos vaga para todo mundo! Mais da metade terá que procurar outra escola. Prioridade é: Moradores da redondeza e pai e mãe trabalhando ou mãe/pai que cria o(a) filho(a) sozinho(a) ou local de trabalho perto. Os moradores que são do 1. distrito, do Fasanviertel e etc., Es tut mir Leid (eu sinto muito), Aufwiedersehen (tchau!), casais com mãe ou pai que não trabalham, Tut mir Leid, Aufwiedersehen..etc
Eu me senti num Casting pra capa da Vogue italiana! „Queremos uma capa com morenas, portanto loiras e mulatas, sinto muito, Aufwiedersehen…“ Mas a gente tinha boas cartas, os dois autônomos com local de trabalho e moradia a 2 quarteirões da escola, ficamos. Ele explicou que por ser uma escola de tempo integral (até as 15.30 h. integral?) só há vagas para os pais que trabalham e etc. e vários discurssos pedagógicos com termos difíceis e pensei de novo na meia dúzia de estrangeiros presentes se eles estariam entendendo estas formulações de alemão nível pós-doutorado…
Próximo passo, duas semanas depois: Uma reunião com pais e filhos em grupos pequenos. Thadeuzinho todo animado: „Escola de verdade, mãe? OBA!“ Chegamos lá, nos separamos, nós, os pais, tivemos que subir para a sala do diretor e Thadeu foi entregue nas mãos de, segundo eles, pedagogas, terapeutas e „especialistas“ em avaliação de maturidade, personalidade e tudo o mais. „Ai meu Deus! “ pensei, „isto não vai dar certo“. Explico: acredito firmamente na capacidade motora e intelectual do meu filho mas também na capacidade fofocal do guri! Andar de ônibus com ele então é um circo! Entre uma parada e outra, ele já contou pra mulher que sentou na frente dele que a mama dele é brasileira mas „hoje não vai fazer comida por que tá de mau-humor…e por que você tem uma barriga tão grande? você tá grávida?“ e o Thuthu tá fedendo e „mama não trocou a fralda dele“, a gente mora na rua tal, „mama quando tá nervosa fala PQP, você sabe o que é PQP?“ -ainda bem que ninguém sabe mesmo o que é!- „Eu também não sei mas mama diz que é muito feio e eu vou cantar uma música pra você, é assim: mas quem é este homem com a bola no pé? é o rei pelé…“ o ônibus inteiro rindo por que ele adora falar alto, bem típico da familia Prathos. Com este guri, minha vida se torna um livro em aberto! Fiquei imaginado no que ele NÃO contaria para as „especialistas“.
Numa mesa redonda, na presença do diretor, preenchemos eu e maridão junto com 6 outros pais um formulário com nome, endereço, profissão etc. Nossos olhares se cruzavam, clima de insegurança no ar, inveja, rivalidade… Semifinal da Liga dos Campeões: Barcelona, Milão, Chelsea, Real Madrid. Quem levantará a taça?
Maridão sussurra no meu ouvido: „Lina, aquela mãe ali mora só a 1 quadra da escola…“ eu quase gritando: „É Penalti!“ ele me cutuca por debaixo da mesa: „Fala baixo! Eu querendo uma vaga para o nosso filho e você pensando em futebol agora!“ Sussurrei de volta: „Desculpa. Schatz, em casa eu te explico…“
O diretor deixou bem claro que nesta escolha subjetiva de critérios, quem decide no final das contas é ele, então todos nós tentávamos de todo o jeito babar no ovo do cara, sendo educados, obedientes, se curvando e se desdobrando pra agradar ao rei da cocada pret…digo branca.
Pensei em puxar papo com o cara fazendo um dircurso sobre a arquitetura contemporânea do prédio e a influência de um ambiente agradável no rendimento escolar dos estudantes. Comecei a formular as frases na cabeça: Das Gebäude, Die Gebäude, Der Gebäude? ist schön, schöne? (a prédio? o prédio? „u“ prédio é bonito, bonita, bonitus?) Desisti, se eu abrisse a boca e mostrasse para ele meu alemão kaputt (defeituoso!), ele com certeza perguntaria se a vaga era para o meu filho ou para mim! Fiquei caladinha. Detalhe: nesta segunda fase da seleção eu era a única estrangeira!
Descobrimos que só há 9 vagas para uns 30 pretendentes. Então o que era um casting pra capa da Vogue, passou pelos campos de futebol e se transformou num vestibular para medicina na Uff.
Encerradas as formalidades, fomos todos, inclusive o diretor, ao encontro das crianças. Enquanto descíamos as escadas, Maridão fez com seu hoch deutsch (alemão brilhante) observações interessantes e elogios á escola. Eu me limitei a ficar do lado dele sorrindo e balançando a cabeça pra cima e pra baixo comentando com um :“É, também acho!“
A porta é aberta e sai as crianças todas quietinhas, sorrindo direitinho em direção ao respectivo pai/mãe. Por último sai „Furacão 2000“, cheio de papéis na mão, saltitando e berrando: „Mama, Papa, eu fiz exercício, acertei tudo, olha, olha…foi esta professora gordinha aqui que me deu!“ espalhando os papéis no chão. Todo excitado, virou-se para a pedagoga, a própria gordinha que a esta altura estava roxa de vergonha: „Professora me dá mais exercício pra eu fazer em casa?“ e de repente notou a presença do diretor no ambiente e olhou-o de cima abaixo, fez uma cara de desprezo, uma mão na cintura e a outra mão com o dedo querendo alcançar a cara dele: „E você? Quem é você? É o porteiro daqui?“
Bom, vamos ver se a gente consegue a vaga…….
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