Ano passado, eu estava me sentindo num túnel sem fim. Esperando e-mails que não chegavam, respostas que não vinham, empregos que não existiam.
Me sentindo inútil profissionalmente. Qual o valor de um humano sem um trabalho? Choros. Dúvidas. Incertezas. O que fazer? E foi num dia desses de busca e não encontro, depois de checar os esperados e-mails que não chegaram, que eu olhei para o teto. Olhei. Para os lados. Olhei. Me dirigi meio em transe ao computador, indo direto para o Musikstore. Procurei o “Bolero” de Ravel e coloquei para tocar. Bem alto. Me posicionei no meio vazio da sala de trabalho e comecei a dançar, rodando em círculos, como tinha visto no Teatro Municipal, lá nos anos 80. O ingresso para ver Márcia Haydee era tão caro que meu tio comprou só um, e eu fui sozinha. Ele me esperou do lado de fora. Acho que meu tio estava ali, naquela sala, me vendo dançar em círculos. Como uma louca. Louca? Que nada! Apenas dançava. Sempre. Circularmente. Braços, pernas, cabeça, coração. Música, ritmo, movimento, harmonia. Eu e Ravel e o círculo e o agora. Sempre em direção ao nunca. Circularmente. A música acabou, e os e-mails continuaram sem chegar, e os empregos continuaram na inexistência. Mas eu e Ravel por uma eternidade existimos. Livres. Circularmente.